Pare de tentar ser feliz
A felicidade é um desejo universal de todos os seres humanos, ninguém ousa discordar de que ser feliz é um dos principais objetivos da vida. Contudo, na atualidade surge um fenômeno em que a busca pela felicidade se tornou exacerbada, algo que deixou de ser natural e passou a ser forçado. Um reflexo disso é o que vem sendo chamado de positividade tóxica, onde os indivíduos reprimem sua tristeza e são coagidos a se sentir felizes, uma saída pífia e, a meu ver, desrespeitosa aos que sofrem com transtornos de saúde mental. Segundo o site Our World in Data, desde 1990 até os dias de hoje o número de pessoas com depressão aumentou mais de 50% ao redor do mundo. Mas como é possível que em uma sociedade desenvolvida como a de hoje, que se valida por ideais de liberdade, diversidade, avanços tecnológicos etc, somos cada vez mais infelizes?
Esse é o resultado de tempos pós-modernos que estão nos arrastando a uma crise de ansiedade existencial coletiva, esse é um dos reflexos mais severos do pós-modernismo. Segundo Fredric Jameson, o pós-modernismo é uma lógica cultural do capitalismo tardio, uma estrutura social que levou ao desaparecimento das tradições, dos valores universais e da história — não existe mais passado, hoje vivemos em um eterno presente. Dessa forma, o mundo pode ser interpretado de qualquer maneira, tudo está aberto ao questionamento, tudo é plástico ou, como Zygmunt Bauman diria, tudo é líquido. Essa revolução cultural que começou a ganhar corpo nos anos 80 e que atualmente está em sua máxima forma vem atingindo duramente a sociedade e principalmente a subjetividade humana. Hoje vivemos em dúvida sobre nossa identidade, não sabemos mais quem somos, o que devemos fazer, qual nosso propósito. E um dos principais responsáveis por isso é o excesso de informação, o qual ironicamente vem nos deixando mais confusos do que informados — segundo Jean Baudrillard, vivemos em um mundo onde há cada vez mais informações e cada vez menos significado.
Agora, por que atualmente a felicidade se tornou um tema tão importante? Não que ela havia deixado de ser, porém, o significado de felicidade mudou ao longo do tempo. Na Idade Média, por exemplo, ser feliz era ser fiel a Deus; mas hoje, ser feliz é ser fiel aos bens materiais, ou seja, nos dias atuais a referência de realização da felicidade é o intenso consumismo. Isso nos dá uma pista do porquê dessa desenfreada busca de felicidade que temos hoje em dia. Por meio da publicidade, internet, redes sociais e demais mídias de massa é construído um simulacro onde a felicidade é associada com o consumo. Segundo Baudrillard, na sociedade de consumo o homem é orientado a buscar sem qualquer hesitação a própria felicidade, nela o homem nunca pode se sentir satisfeito, deve sempre ter necessidades para serem atendidas por objetos de satisfação. E há poucos anos atrás essa hiper realidade era produzida por filmes, programas de televisão e propagandas comerciais; mas hoje ela está inserida no real, na própria casa das pessoas que acompanhamos pelas redes sociais, nas quais a felicidade é vendida por todos os lados, seja através de produtos, estilo de vida, relacionamentos, trabalho etc. Portanto, fica cada vez mais complicado escapar da ditadura da felicidade.
Em Sociedade Paliativa, Byung-Chul Han argumenta que atualmente buscamos evitar toda forma de negatividade. Na sociedade do desempenho não há espaço para a dor, pois ela é um sinal de fraqueza, de negatividade. Hoje impera a positividade e com ela todo um aparato de métodos para lhe impor a felicidade forçada, como, por exemplo, os medicamentos e a psicologia que vem deixando de tratar o sofrimento e passando a lidar com o bem-estar, a felicidade e o otimismo. O intuito é que o ser se torne resiliente e funcional, um sujeito de desempenho permanentemente feliz. Contudo, Han argumenta que esse excesso de positividade é o que tem nos levado ao adoecimento da sociedade, esse é o resultado de tentar reprimir a dor, a humanidade em guerra consigo mesma.
Portanto, concluo aqui com uma noção perdida na pós-modernidade: o sofrimento é essencial para a experiência humana. Todas nossas emoções constituem nossa subjetividade e não devem ser reprimidas em função de um conceito artificial de felicidade. Por isso o objetivo não deve ser a felicidade, mas sim algo mais radical, como a busca por um desejo verdadeiramente autêntico, algo que nos gere medo, ansiedade e incertezas, pois é aí que se encontra o sujeito verdadeiro. Seguindo esse caminho, vamos muito além da felicidade, encontramos um propósito e uma vida originalmente nossa.